terça-feira, janeiro 27, 2004

Há muito que não tiro um tempinho para escrever a minha opinião, os meus pensamentos e sentimentos, sobre algo que me rodeia. Tenho sempre utilizado frases de outros, mas hoje apetece-me "falar".
A morte de Feher, e tudo o que tenho ouvido, visto e lido, deixou-me algumas "marcas".



Não gosto de futebol.
Sou do Benfica, mas nem sei em que posição está.
Conheço o nome e cara de meia dúzia de jogadores - os que são, declaradamente, figuras públicas - e só vejo jogos na televisão, se isso implicar uma sala cheia de amigos, o que se traduz mais em convivio do que em "bola".
Não sabia quem era o Miklos Feher.

Mas quando, no Domingo, com uma voz tensa e quase em choque, o António me liga para "partilhar" comigo o que se estava a passar, fiquei com o coração muito pequenino, apertado.
Liguei para a Sport TV - codificada - e fiquei a perceber o que se passava. Mesmo a tremer, as imagens que passavam no ecrã eram elucidativas - havia alguma coisa que estava a correr muito mal - mostravam a tristeza e o panico que se vivia no relvado.

As mortes "sem sentido", aquelas que traçam um caminho paralelo naquilo que é a vida de um ser humano, porque quando alguém de 80 anos morre, não há nada de anormal, há uma tristeza, um sentimento de perca, mas não o sentimento de que não deveria ser assim, deixam-me sempre "à toa".
Quando essa morte chega de uma forma tão inesperada como a do Feher, fico "paralisada", "dormente".

É dificil digerir, e impossivel de aceitar, uma morte que sucede um sorriso, que vem depois de uma clara demonstração de saúde.
Talvez por isso, por ser tão dificil de "encarar, de olhar nos olhos" esta morte, sentimos a necessidade homenagear o Faher, de "gritar que esta morte não é justa", e por isso, mesmo que nos possa parecer algo estranho e descabido, temos esta "corrente de sentimento" que se tem sentido nos últimos dias.
Nada disso me incomoda, que mal tem as pessoas quererem dar um último adeus a alguém que partiu cedo de mais? mesmo que pareça exagerado, sobretudo se tivermos em conta que as outras mortes; as da estrada, as da pobreza, as da violência sem sentido, as das guerras; não têm um decimo desta repercussão.

Mas o que está errado não é o movimento que se gerou em volta da morte do Feher, mas a falta de movimento da sociedade em torno das outra mortes.


E o que mais me choca nisto tudo, é ver que mais uma vez, os abutres e vampiros da nossa praça aproveitem a dor, e as demontrações de sentimentos associadas a uma morte, para fazer um espectaculo mediático.
Não me quero alongar sobre isto, não lhe quero dar importância. Felizmente ainda tenho um comando que funciona, e que, num segundo desliga a voz de quem não deveria ter, nestas alturas, direito a falar.

Mais uma vez, e para rematar, deixo as palavras de José Mário Branco .....

Os antropófagos das nossas dores
Toram conta da aldeia global
Fazem milhões a converter horrores
Em audiências de telejornal
O insuportável torna-se rotina
E a realidade já é virtual
A dor da gente é a inesgotável mina
Que lhes rentabilza o capital


E, onde quer que estejas, que estejas em paz, feliz e rodeado de quem amas

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