quinta-feira, outubro 11, 2012


... O quarto era pequeno e embora virado para a rua principal, o silêncio reinava.
A cama, de casal, de uma dessas lojas de moveis baratos e pouco pessoais, estava encostada a uma das paredes laterais. Por baixo da janela, todas as manhãs o sol, que ia entrando devagar, como que tímido e pedindo autorização, era o seu despertador favorito. O outro, o electrónico e barulhento, tocaria um pouco mais tarde, quando ele já estivesse entre cá e lá. Ainda nos sonhos da noite anterior, mas já a rever tudo o que o dia lhe iria trazer.
Todos os dias acordava com a sensação de solidão absoluta, como se o mundo se tivesse evaporado enquanto dormia e apenas restasse ele. Só, o único, numa imensidão de ruas e casas desabitadas. Atribuía este sentimento ao silencio em que o quarto estava imerso, mas lá no fundo, quando pensava um pouco mais sobre isso, sabia que a solidão era, de facto sua companheira. Vivia dentro dele.
Gestos repetidos milimetricamente preenchiam as manhãs. Como que com um cronometro pendurado ao pescoço, as tarefas começavam e terminavam sempre com os ponteiros do relógio exactamente na mesma posição. Para si, porque falar alto era um sinal evidente de loucura, costumava brincar com esta repetição. “o shampoo das 6h43 fica feliz de estar primeiro que a pasta de dentes das 7h32”,  “o botão do elevador das 8h01, acha que é o rei da casa, pois encerra o ritual”
Ao sair da cama a sensação de isolamento ia desvanecendo, devagar, mas a agua do duche encarregar-se-ia de atirar para o cano o que restava da ilusão de um mundo vazio de almas. Ao lado da cama, no chão, o tapete felpudo, vermelho fogo, dava os bons dias ao pés descansados de muitas horas sem carregar e transportar para todo o lado aquele corpo, que agora se erguia. A casa de banho do quarto era a jóia da coroa do apartamento. Alias, tinha sido por causa daquela casa de banho que ele tinha decidido assumir o compromisso de ter aquele espaço como seu. Grande, com azulejos verde-agua e banhada de luz, tinha tudo o que ele apreciava naquelas divisões. Uma banheira grande, mesmo por baixo da janela. Recantos embutidos na parede, que substituíam a necessidade de armários. Uma das paredes forrada a espelho, e um lavatório new design, que fazia parte de uma bancada onde tudo cabia. Para rematar a perfeição, o chão era preto, brilhante. ...

Sem comentários: