... As noticias que o esperavam nas folhas do jornal não lhe interessavam particularmente. Muitas delas causavam-lhe a sensação de que o mundo estava virado ao contrário e que caminhavam, ele e o resto da sociedade, para um ponto de desconexão total entre as pessoas e que o superficial era, cada vez mais, o que mais movia as relações humanas. Mesmo assim, consumia, todos os dias, aqueles minutos na leitura de textos que pouco contribuíam para o seu dia.
Durante as horas que passava no escritório, José alternava os seus movimentos entre um trabalho árduo e com afinco, e o perder-se na conversa de circunstancia e navegar no mundo virtual, onde não procurava nada em concreto.
Ninguém lhe conhecia a vida, o passado, o presente, ou o que programava para o futuro, mas nenhum dos colegas o achava uma pessoa estranha ou afastada das interacções usuais de um grupo onde o convívio é diário. Participava das conversas, era atento aos outros e não se esquecia das datas importantes. Sabia que o colega dos Recursos Humanos andava sem saber o que fazer com o filho mais velho que tinha passado a detestar a escola. Sabia que a mãe do Manuel – colega que se sentava três secretárias atrás da dele – estava internada com uma baixa contagem de plaquetas e que os médicos ainda não tinham encontrado justificação para tal. Sabia que a Inês, menina de 8 anos, filha de um casal de colegas, ia receber um cachorro para o seu aniversário e até tinha dado algumas sugestões de nomes para o bicho.
Às segunda feiras falava do fim de semana, como quem fala de uma entidade superior, porque se alguém, analisasse o seu lado da conversa com os colegas, perceberia que do seu fim de semana, José não tinha, de facto, falado. Nenhuma luz sobre como passara aquelas 48 horas de intervalo tinha sido lançada para a conversa matinal. Mas de alguma forma, por alguma razão – talvez pela tal superficialidade nas relações modernas, que as noticias diárias deixam transparecer – nunca nenhum dos seus colegas se tinha interrogado sobre este “mistério”.
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